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Conheça a história da cannabis medicinal no Brasil [de 2014 a 2020]

A Cannabis foi uma das primeiras plantas a ser cultivada pela humanidade. Encontra-se vestígios de sua utilização há cerca de 12 mil anos.

A primeira referência descrita para sua aplicação para fins medicinais data do ano de 2.727 a.C. e foi feita pelo imperador chinês Shen Neng.

No Brasil, as primeiras citações, segundo o Ministério da Relações Exteriores, remetem ao ano de 1549, ocasião em que foi trazida ao país pelos escravos que utilizavam a planta para diversos fins medicinais, sendo o principal para o combate de dores.

Após esta breve introdução, faremos um apanhado histórico, demonstrando a atuação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Ministério da Saúde, Congresso e Judiciário em contexto recente na luta da sociedade pela possibilidade de utilização da Cannabis medicinal no Brasil.

Iniciaremos pelo ano de 2014, ocasião em que a Anvisa começa a dar os primeiros passos no sentido de permitir a utilização de medicação extraída da planta Cannabis.

Cannabis medicinal em 2014

Começamos pelo ano de 2014, ocasião em que Anny Fisher, então com cinco anos de idade e portadora da síndrome CDKL5 (quadro de epilepsia refratária), tem sua história de êxito no controle de crises convulsivas utilizando um óleo rico em Canabidiol – CBD apresentada no programa dominical Fantástico.

Anny foi a primeira paciente a conseguir, através do Judiciário, o direito de importar este tipo de óleo.

Sua história acabou contagiando outros pais e mães pelo país, e outros relatos de controle de crises convulsivas se multiplicaram.
Assim sendo, um grupo de epilépticos do estado da Paraíba consegue, por intermédio do Ministério Público Federal, a primeira liminar junto ao Judiciário favorável a uma coletividade de pessoas para a importação do óleo rico em CBD.

Neste mesmo ano, a Anvisa começa a tomar as primeiras providências no sentido de dar acesso à pacientes e familiares para a importação do óleo, tais como:

Adoção de medidas para importação excepcional de produtos à base de Cannabis medicinal.

Ações individuais começam a surgir no Judiciário reivindicando permissão para que a Anvisa autorize o acesso a produtos à base de Cannabis medicinal.

No Senado Federal é protocolada a SUG 8/2014, Projeto de Lei de origem popular que defende a regulamentação da Cannabis para uso medicinal, industrial e recreativo.

Desta forma, a sociedade brasileira começa a se organizar em grupos de pacientes e familiares que encontraram na Cannabis medicinal uma ótima alternativa para tratamento de graves doenças cujo tratamento convencional não vem produzindo resultado esperado, tais como, a esclerose múltipla, epilepsia refratária, doenças neuropáticas, dentre outras.

Ao mesmo tempo, acirra-se a luta para diminuir o preconceito contra uma planta milenarmente conhecida por seu potencial terapêutico e medicinal, uma vez que, parte da sociedade não aceita esse fato como realidade.

Cannabis medicinal em 2015

Em virtude da escassez de estudos científicos imposta por anos de demonização da planta Cannabis, médicos começam a procurar por estudos e evidências científicas confiáveis para embasar a sua utilização em diversos tipos de doenças.

No dia 25 de fevereiro é apresentado pelo Deputado Fábio Mitidieri (PSD-SE) o Projeto de Lei n० 399/2015, que: “Altera o art. 2º da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, para viabilizar a comercialização de medicamentos que contenham extratos, substratos ou partes da planta Cannabis sativa em sua formulação”.

Na Anvisa, novas providências no sentido de dar acesso à paciente e seus familiares, tais como:

Publicação da Resolução da Diretoria Colegiada – RDC 17/2015, com normas para importação de medicamentos à base de Canabidiol – CBD, em caráter excepcional.

Reclassificação do Canabidiol, isto é, retirada do CBD da lista de substâncias proibidas no Brasil. Com isso, esse canabinóide para a ser considerado como “substância controlada”.

Empresas começam a solicitar à agência reguladora a autorização para o cultivo da planta para produção de medicamentos e realização de pesquisas científicas.

Em virtude da publicação desta Resolução 17/2015, a Anvisa recebe durante o transcorrer do ano um total de 902 solicitações de importação de Canabidiol, totalizando um número de pacientes em 826.

Porém, apesar do advento da citada Resolução, os pacientes e seus familiares esbarram na dificuldade causada pela burocracia para obter acesso à medicação através da importação excepcional.

Além disso, os altos custos que envolvem essa operação, o que limita consideravelmente o seu acesso para a população em geral.
Em novembro deste ano, uma sentença proferida pelo MM Juízo da 16ª Vara Federal do Distrito Federal determinou que a Anvisa retirasse o Tetra-hidrocannabinol (THC) da lista de substâncias proibidas no Brasil.

Em razão desta decisão passou a se permitir a importação excepcional de remédios que continham baixa concentração THC, além do CBD na sua fórmula.

No final do ano, a Câmara Legislativa do Distrito Federal aprovou um Projeto de Lei que garante a distribuição gratuita de remédio com derivados de Cannabis e o remete para apreciação do Governador do Estado, que veta a iniciativa alegando falta de recursos.

Cannabis medicinal em 2016

No início de 2016, deputados da Câmara Legislativa do Distrito Federal derrubam o veto do Governador ao Projeto de Lei.

Assim sendo, essa unidade da Federação passa a ser a primeira a garantir o fornecimento de medicação derivada da Cannabis para pacientes do Sistema Único de Saúde – SUS.

Por seu lado, na Anvisa providências continuam a serem tomadas, tais como:

Publicação da nova Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) acrescentando no Anexo I da RDC 17/2015 mais produtos à base de Canabidiol em associação com outros canabinóides.

A importação desses produtos passa a ser realizada por pacientes com prescrição médica que indique esta opção de tratamento, mediante avaliação e aprovação prévia da agência reguladora caso a caso.

Ampliação a lista de produtos que constavam do Anexo I da RDC 17/2015.

A norma acrescentou sete produtos à base de Canabidiol, em associação com outros canabinóides, mais comumente solicitados à Agência, para importação excepcional por pessoa física. Desta forma, o procedimento de avaliação e liberação se tornará mais ágil.

Publicação da lista atualizada dos 11 (onze) produtos à base de canabinóides que passarão a constar do Anexo I da RDC 17/2015.

Acontece que, mesmo com todas essas providências que vêm sendo tomadas pelos órgãos desde o ano de 2014, o alto custo do tratamento vem fazendo com que diversos pacientes recorram à Justiça para pleitear que o SUS (Sistema Único de Saúde) arque com o tratamento – foram 46 casos só no ano de 2016, segundo o Ministério da Saúde.

Em 2016, a Anvisa recebe durante o transcorrer deste ano um total de 901 solicitações de importação de Canabidiol, totalizando um número total de pacientes (novos pedidos) em 471.

Cannabis medicinal em 2017

Chegamos ao ano de 2017 e a Anvisa continua tomando providências no sentido de permitir o acesso da Cannabis medicinal à pacientes e familiares do país, tais como:

Divulgada a aprovação do primeiro registro no Brasil de medicamento feito à base de Cannabis medicinal, o Mevatyl que em sua composição encontra-se o CBD e o THC.

Criado o Grupo de Trabalho para discutir requisitos de segurança e controle para o cultivo da Cannabis medicinal. Referido grupo concluiu as atividades indicando a necessidade de abertura de processo regulatório sobre o assunto.

É publicada a Resolução da Diretoria Colegiada – RDC 156/2017, que inclui a Cannabis na lista das Denominações Comuns Brasileiras – DCBs.

A agência reguladora recebe durante o transcorrer deste ano um total de 2.181 solicitações de importação de produtos à base de Cannabis, totalizando um número total de pacientes (novos pedidos) em 1.392.

Por sua vez, o Judiciário continua a proferir decisões no sentido de obrigar o SUS a fornecer medicação a base de Cannabis, conforme esse julgamento ocorrido na 4ͣ Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, cuja Ementa transcrevemos abaixo:

Cominatória. Fornecimento de medicamento. Canabidiol.
1. É dever do Estado fornecer gratuitamente medicamento, a quem dele necessite e não possui condições para adquiri-lo, independentemente de padronização.
2. Desde a RDC 66/16, a a Anvisa autoriza a importação, em caráter excepcional, de medicamentos à base de canabidiol e THC.

Cannabis medicinal em 2019

Finalmente, alcançamos o ano de 2019 e a Anvisa toma diversas providências no sentido de promover o acesso da Cannabis medicinal ao cidadão brasileiro, tais como:

Finalizado o Relatório Preliminar de Análise de Impacto Regulatório (AIR) sobre o tema.

A Diretoria Colegiada aprova propostas de consultas públicas relacionadas à regulamentação da Cannabis medicinal (requisitos técnicos para o cultivo da planta para fins medicinais e científicos e registro e monitoramento de medicamentos).

Publicadas no Diário Oficial da União (D.O.U.) as Consultas Públicas 654 (requisitos para registro e monitoramento) e 655 (requisitos para cultivo), ambas do dia 13/06/2019. O prazo para contribuições foi de 60 dias (21 de junho a 19 de agosto).

Envio de Consultas Dirigidas a 29 entidades relacionadas ao tema, solicitando contribuições sobre as propostas normativas.

A Dicol aprova a realização de uma Audiência Pública para coletar subsídios sobre as propostas em consulta.

Agência discute a regulamentação da Cannabis medicinal no Brasil em Audiências Públicas na Câmara dos Deputados e no Senado.
Audiência Pública na Anvisa reúne diretores e 240 participantes para debater o assunto.

Divulgado o balanço das 1.154 contribuições recebidas durante as Consultas Públicas.

Realizada a análise das contribuições recebidas durante as Consultas Públicas, Audiência Pública e Consultas Dirigidas.
Consolidadas as propostas da regulamentação.
Dicol faz avaliação das propostas finais de regulamentação sobre o cultivo da Cannabis para fins medicinais ou científicos e de registro e monitoramento de medicamentos.

Publicação da Resolução da Diretoria Colegiada – RDC 327, que dispõe sobre os procedimentos para a concessão da Autorização Sanitária para a fabricação e a importação, bem como estabelece requisitos para a comercialização, prescrição, a dispensação, o monitoramento e a fiscalização de produtos de Cannabis para fins medicinais, e dá outras providências.

A agência reguladora recebe até o terceiro trimestre deste ano um total de 6.267 solicitações de importação de Canabidiol, totalizando um número total de pacientes (novos pedidos) em 4.448.

Ainda de acordo com a agência, desde o ano de 2015 até o terceiro trimestre do ano de 2019, foram recebidos um total de 13.864 pedidos de autorização para um total de 9.540 pacientes cadastrados.

Na Câmara dos Deputados é criada uma Comissão Especial para tratar do Projeto de Lei n° 0399/2015 e diversos procedimentos visando agilizar seu trâmite são realizados.

Por sua vez, o Judiciário continuar a proferir decisões no sentido de obrigar o Estado a fornecer gratuitamente medicação a quem necessita e também no sentido de conceder Habeas Corpus Preventivo para que os cidadãos ou associações possam cultivar a planta e extrair a medicação, conforme podemos constatar através do Informativo de Jurisprudência nͦ 359, cuja decisão transcrevemos abaixo:

“É possível, excepcionalmente, a autorização para o cultivo de Cannabis Sativa com finalidade estritamente medicinal. A Turma concedeu salvo-conduto para assegurar aos impetrantes a possibilidade de manterem, em casa, plantação de maconha para fins medicinais, sem risco de prisão.

Conforme consta dos autos, a filha dos impetrantes, adolescente de dezessete anos, por ser portadora de Síndrome de Silver-Russel e hemiparesia distônica à direita, desenvolveu quadro clínico de dores crônicas, espasmos e inúmeras convulsões diárias.

Após tentativas frustradas com remédios convencionais, o médico neurologista responsável pelo tratamento prescreveu medicamentos com princípios ativos derivados da Cannabis Sativa, com os quais, depois de autorizada a importação pela ANVISA, foi obtida significativa melhora no estado de saúde da jovem.

Em virtude da grande dificuldade para a obtenção desses remédios, a família passou a cultivar a planta em casa.

De início, os Desembargadores ressaltaram que há vastas pesquisas internacionais que reconhecem as propriedades antiepiléticas da droga e a recomendam como alternativa viável e segura para casos de crises refratárias às terapias usuais.

Quanto à conduta dos pais, reputaram configurado o estado de necessidade como excludente de ilicitude, na medida em que cultivam a planta com o estrito propósito de debelar grave enfermidade da filha.

Em relação à existência de autorização para importar o medicamento, salientaram que o processo é excessivamente caro, lento, burocrático e incapaz de satisfazer às necessidades do tratamento.

Desse modo, como o Estado ainda não oferece recursos necessários para garantir uma vida digna à adolescente, os Magistrados concluíram que, excepcionalmente, deve ser assegurada a medida requerida com o devido controle dos órgãos competentes”.

O número deste acórdão não pode ser divulgado em razão de o processo tramitar em segredo de justiça.

Assim sendo, entre o ano de 2015 e o primeiro semestre do ano de 2019, o Ministério da Saúde, obedecendo a determinações judiciais, fez a compra através de importação de 5.319 produtos à base de Cannabis, tais como óleo rico em CBD e ou THC, líquidos e comprimidos.

No total foram gastos aproximadamente 3 milhões de reais para adquirir estes produtos que foram utilizados por pacientes que não tinham mais opções de tratamento pelas vias convencionais.

Cannabis medicinal em 2020

Em 22 de abril de 2020, foi publicado no Diário Oficial da União (D.O.U.) a primeira Autorização Sanitária (AS) para que um produto à base de Cannabis possa ser produzido e comercializado nas farmácias do Brasil.

A autorização foi solicitada por uma empresa que pretende produzir o fitofármaco em solo brasileiro, tendo como base o fitocanabinóde Canabidiol (CBD) e com concentração de Tetrahidrocanabinol (THC) de até 0,2%.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Congresso, Ministério da Saúde e Judiciário estão tomando providências para que produtos derivados de Cannabis, cuja utilização terapêutica e medicinal tem sido cada vez mais comprovada através de estudos, pesquisas e práticas cotidianas, cheguem ao acesso cada vez mais amplo para a população em geral.

Não resta dúvidas que ainda temos um longo caminho para que este acesso seja facilitado com a consequente diminuição dos custos para realização dos mais diversos tipos tratamentos, mas é certo que os órgãos públicos e a sociedade civil organizada estão batalhando nesse sentido, como podemos constatar com as informações trazidas no presente texto.

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